segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Diga-me o que escreves e eu te direi quem és

Na "Revista da Cultura" edição 50, mês de setembro (para quem não sabe, a Livraria Cultura publica uma revista mensal que é bem legal), há uma matéria ótima sobre a relação entre a vida e a obra dos escritores, ou seja, como suas opiniões contribuem para formar a imagem que eles nos transmitem. É natural que tenhamos uma ideia sobre os autores depois que conhecemos sua obra. A opinião popular tende a achar que o autor tem inclinação para ser comunista, por exemplo, se ele escreve sobre este assunto, ou que é antissemita se defende Hitler e vocifera contra os judeus. Em panfletos, entrevistas ou romances, os argumentos autorais grudam no autor e o classificamos como adepto do que ele próprio escreveu. Mas, podemos levar ao pé da letra que uma obra é a personalidade de seu autor? Em alguns casos, sim. Nosso Jorge Amado foi perseguido por celebrar Stálin e por sempre manifestar seus sentimentos políticos em livros. E ele era, realmente, defensor dos ideais comunistas. A "Revista da Cultura" menciona, também, o escritor francês Céline, que era, declaradamente, antissemita e sua obra mostra a veracidade disto. Porém, há autores que declaram o contrário. José Saramago sempre firmou que, em seus livros, quem nos fala são os personagens e não ele. Fernando Pessoa vai além. Segundo o poeta português, que não era ninguém sendo muitos (palavras dele), sua maneira de escrever era através da auto psicografia (definição dele para seu estilo) de Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Carvalho, apenas para citar alguns dos seus 127 heterônimos (ufa!), todos com opiniões bem particulares. O que dizer sobre isto? É possível um autor desprender-se de suas crenças e escrever como outrem? Se sim, que qualidade teria uma obra que não tem um pouquinho do âmago de seu criador? Que arte pode ser feita sem um toque da alma do artista? O artista é tão artista que consegue fingir ser artista? Olha Fernando Pessoa de novo (o poeta é um fingidor...). Não acredito que a escrita esteja separada do coração de seu escritor. Só com o coração tocamos a alma de nosso interlocutor, seja falando, escrevendo, cantando, recitando, etc. E você? Como escreve? Divirta-se!

Um comentário:

  1. Como sempre, acabo viajando em suas proposições tão perspicazes. Sim, Fernando Pessoa realmente "psicografava" ele próprio, nas pessoas de seus heterônimos. Cada um deles criação de um único e todos singularmente diferentes entre si. Acredito que nos, escritores, criadores, pensadores, somos de certa forma fingidos como Fernando Pessoa e sinceros em nossas posições político-sociais como Jorge Amado, entre outros. Escrevo para mim, olhando para dentro do meu próprio âmago, redescobrindo meus desejos mais íntimos, mas escrevo também para quem tem alguma curiosidade de saber um pouco sobre mim. Portanto, sou mais como José Saramago. Sei também fingir o que não sou, quando crio heróis que estão longe de se parecerem comigo. Enfim, criamos em nossas estórias, mundos iguais ou diferentes e vidas iguais ou diferentes das nossas, dependendo apenas de uma coisa: nosso humor e nossa capacidade de discernir o mundo que nos rodeia.

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