terça-feira, 26 de julho de 2011

O "barco" de Neruda

Estive em Santiago do Chile na semana passada. Ainda não conhecia a cidade e confesso que me surpreendi. Santiago é uma cidade bonita, limpa, agradável para passear a pé e com lindos lugares que nos deixam felizes. Um dos lugares que mais me emocionou foi a casa de Pablo Neruda, poeta e nobel chileno que, além da casa em Santiago (você pode ver uma parte dela na foto que tirei - infelizmente no interior da casa não foi permitido fotografar) possuia, também, casas em Valparaiso e em Isla Negra. Tinha três paixões, pelo que vi e senti em sua casa: sua terceira esposa Matilde que, docemente, ele apelidara de "La Chascona" (A Descabelada), suas coleções de garrafas, bonecas, quadros e outros tantos objetos singulares (que você pode ver espalhados pela casa em uma harmonia incrível) e o mar. Particularmente, sua paixão pelo mar era tão intensa que Neruda desenhou e construiu sua casa em Santiago com ares de uma nau, como se ela fosse realmente uma embarcação e tudo ao redor dela fosse o mar. Há vários motivos náuticos compondo um ambiente aconchegante junto com móveis espetaculares. Os tetos são baixos, as varandas parecem proas (veja a foto, não lembra um barco?), os assoalhos de madeira, em alguns recintos, são inclinados para que tenhamos a sensação do "balanço do mar". Mas o que mais me fascinou foi a sala de jantar: com teto baixo, as mesa e cadeiras estão quase rentes ao chão e, defronte, há uma ampla janela que dá para um pequeno pátio que, em dias de chuva, alaga e trasnmite a sensação ao espectador, que está jantando, de que ele "navega". Incrível! Infelizmente, em 1973, muitos objetos de suas coleções, bem como móveis e livros, foram queimados pelo exército da ditadura de Pinochet. Mas, como tudo que é divino não se extingue por forças ignorantes, o espírito de Neruda e de sua casa ainda vivem. Estão lá seus livros, sua poesia, seus amigos (Jorge Amado, Vinícius, Prestes estão entre eles) e sua alma. Respirando em sua casa, com os olhos e com o pulmão, podemos ter momentos ricos de prazer. Uma dica: quando puder, visite a casa de Neruda, leve um livro de suas poesias, sente-se em um banco de seu jardim e navegue. Divirta-se!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A metade essencial

Para ser inteiro precisamos, pelo menos, ser duas partes, pois, do contrário, não há inteiro. Não há nada. As partes formam um todo que, só é todo, porque pode ser dividido em, no mínimo, duas partes. Italo Calvino escreveu "O Visconde Partido ao Meio" em 1952 para, junto com outras duas obras suas (O Barão nas Árvores e O Cavaleiro Inexistente) formar a trilogia que define o homem comtemporâneo, em contos fantásticos, inspirados na psicologia Freudiana. Nosso Visconde é, literalmente, partido em dois por uma bala de canhão em uma batalha. Uma das partes fica com seu lado bom, a outra com seu lado mesquinho e mal. A partir desta divisão, tão real quanto imaginária, dois mundos opostos entram em conflito e tentam sobreviver. Sim, sobreviver. A parte mesquinha está impossibilitada de amar, de ser compreensível, de tornar as coisas belas. Já a parte boa não consegue lutar, progredir, ir contra as ações da vida que, aparentemente, parecem ruins, mas na verdade é o que nos move. Sem o equilíbrio do bom e do mal, do escuro e do claro, os extremos não servem para nada. O que nos torna humano é o que possuímos de mais rico: nossa heterogeneidade. Somos bons, mas não podemos deixar de ser ambiciosos saudavelmente. Nosso senso de bom, de correto e de justo só é possível quando existe uma analogia entre o oposto disso tudo. Se ajo de maneira correta é porque sei que, às vezes, tenho atitudes erradas. Não posso ser bom se não possuo uma metade mais agressiva, pois, do contrário, eu não seria nada. Ser humano é ter metades diferentes, é ser vários. Sendo honesto, inclusive consigo mesmo, já nos torna especiais. O equilíbrio nos mantêm em pé, conciente e vivos. Tire-se uma dessas metades, e tombaremos. Aquela metade que tantas vezes procuramos no externo pode estar conosco. Para ser todo, saiba conpletar-se e tenha s sua metade essencial. Lembrei deste livro hoje, conversando com uma amiga querida. Divirta-se!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

A cachorra que nos emociona

Há tempos quero mencionar este livro aqui, no Vide Letra. "Vidas Secas" de Graciliano Ramos é mais uma homenagem e um agradecimento meus a esta obra do que uma indicação de leitura. Gosto de mencionar autores nacionais por que acredito que a alma do brasileiro, de tão surrada, de tão experiente em sobreviver, atinge um nivel de expressão tão autêntico e nítido que é como se encostassemos o ouvido do lado direito do peito e ouvissemos o pulsar da vida. A família protagonista deste romance (pai, mãe, dois filhos pequenos e a cachorra Baleia) foge da seca nordestina como se fugisse dela mesma e de sua existência. A relação dos entes, incluindo-se nesta relação a cachorra Baleia (sim, é o nome mais marcante do romance, por isto permito-me mencionar apenas ele, mesmo porque as crianças não têm nome) é de caminhar. Caminhar para um não sei. Para um horizonte onde, espera-se, reside uma esperança de bem-viver. É um romance grandioso e triste, como toda obra profunda deve ser: grandiosa e triste. Mas quero falar sobre a cachorra Baleia: ela sente, sonha, ama, é companheira e...sofre. Mais do que qualquer outro personagem, ela nos é apresentada por Graciliano como o elemento que nos mostrará o âmago do romance. É nela que podemos sentir a verdadeira aflição que os humanos se submetem. Humanos que vivem em condições animalescas e que, talvez por isto mesmo, a cachorra é que tenha a voz mais latente no livro. Lembro-me de que este livro e Baleia me tocaram tão verdadeiramente que por alguns momentos achei que não fosse conseguir continuar com a leitura. Mas consegui. A gente consegue o inimaginável quando queremos algo. Foi assim com a família de Vidas Secas. Foi assim com Baleia que, com amor e acreditando em sua família itinerante (mesmo não crendo no que, às vezes, seu próprio dono fazia a ela) conseguiu chegar aos céus dos cachorrinhos. Divirta-se!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Poesia para Deus

Não conheço muito de poesia. Posso, inclusive, dizer que meu contato com poesia não vai além de Fernando Pessoa e seus heterônimos (o que já é grandioso). Mas, um dia, em uma livraria aqui, em São Paulo, flertando com tudo que é livro como de costume, avistei o livro de Adélia Prado "A Duração do Dia" editora Record. Acredito que foi o livro que me achou. Coincidentemente, a autora tem o mesmo nome de minha mãe, um desses nomes antigos, marcantes e lindos. Nome único, como minha mãe e a poesia de Adélia Prado. Eu e o livro nos apresentamos um ao outro como velhos conhecidos. Depois nos tocamos, em cumprimento modesto e tímido. Convidei-o para conhecer minha casa e, para minha alegria, ele aceitou. Foi assim que a poesia desta linda senhora mineira, que lançou seu primeiro livro com 40 anos de idade e já mãe de cinco filhos, ficou comigo. Adélia faz analogia entre poesia e experiência religiosa. Em sua opinião, as duas são experiências idênticas. Para ela, tanto a poesia quanto a fé nos leva para o mesmo lugar. Acho que por esta razão seus poemas lembram Deus e, muitas vezes, são direcionados a Ele. Como ela mesma afirma, ela só tem seu cotidiano e seus sentimentos. A poeta que foi apresentada a Drummond e que, maravilhado com o seu trabalho indicou a publicação de seus poemas, faz coisas lindas como esta: "Não há culpados para a dor que eu sinto. É Ele, Deus, quem me dói pedindo amor, como se fora eu Sua mãe e O rejeitasse. Se me ajudar um remédio a respirar melhor, obteremos clemência, Ele e eu. Jungidos como estamos em formidável parelha, enquanto Ele não dorme eu não descanso". Como disse, não conheço nada de poesia, mas sei sentir quando algum ato divino como este me envolve. Ah! O livro que veio comigo para casa? Moramos juntos até hoje e, às vezes, ele dorme comigo. Divirta-se! 

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Saiba o que é crime...e prepare-se para o castigo

Há algum tempo quero comentar sobre o livro, "Crime e Castigo" de Dostoiévski, aqui, no Vide Letra. Cobrava-me uma experiência única que tive quando o li e não podia deixar de comentá-la e dividí-la com meus amigos do blog. O livro não é novidade, todo mundo já ouviu falar dele várias vezes. É um dos város livros de Dostoiévsky que, como ninguém, conseguiu captar a essência humana e mostrá-la de maneira única. Este livro é conhecido de todos. Eu o li há exatos 30 anos e desde então ele está em mim. Lembro-me de começar a ter raciocínio literário quando este livro apresentou-me, de forma profunda, as diferenças de comportamento que o ser humano pode ter dependendo de sua ambição e julgamento do outro. Nosso anti-herói Raskólhnikov julga-se melhor do que muitos de seus pares e tem a absoluta certeza de que, para uma evolução de nossa espécie, ele pode usar dos "humanos menores" como bem entender. Acha-se no direito de matar, se assim for, para que os iguais a ele, os privilegiados mentalmente, façam com que a evolução de nossa espécie atinja patamares cada vez mais elevados. Claro que este julgamento é de sua inteira responsabilidade, mas Dostoiévski lida com o assunto tão habilmente e com tanto conhecimento da psiquê humana que só nos restam as questões: qual é nosso crime? Atualmente (sim! o livro é atemporal!), quais são nossos julgamentos perante o outro? Que tipo de relação temos com nossos pares? Será que não cometemos o mesmo crime que nosso anti-herói, quando, mesmo inconscientemente, achamo-nos superiores, mais inteligentes, mais espertos?  Qual o respeito que temos perante nosso povo, nosso país e nosso planeta? Somos responsáveis pelo que fazemos de forma consciente? Leia o livro e reflita: qual é o seu crime. Pode ter certeza: o castigo virá e oxalá o nosso arrependimento não seja tardio. Vale mencionar que a edição da Editora 34, que ilustra esta postagem, tem tradução direta do russo. Divirta-se!