sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Questão de ritmo...das ondas

Aproveite que estamos em janeiro, no verão, e visite o mar. Sente-se na areia, de frente para ele. Veja o ritmo das ondas, sua sincronia com o tempo. No fundo, tudo é uma questão de ritmo, como dizia Virginia Woolf. O importante não é, somente, a fabricação das coisas, a concretização das ações, mas também o ritmo em que tudo surge e acontece. Observando as ondas, há de se conhecer o seu ritmo próprio e, a partir daí, movimentar-se. Provavelmente, na praia, haverá outras pessoas. Observe como elas seguem um rítmo, um compasso que, aparentemente, nada tem a ver com você. Mas não é bem assim. O ritmo de tudo age em nós como as lambidas que as ondas dão na areia. O ar emanado do movimento provocado pelas pessoas nos afetam. Volte a atenção, novamente, para as ondas. Elas vêm ao seu encontro. Ou de encontro. As ondas quebram em nós para ajudar-nos, com um "empurrãozinho", a realizar aquilo que muito queremos, mas também nos atinge para destruir, derrubar. Tudo seguindo um ritmo, uma constância. O ritmo da natureza, que devemos respeitar e entender. Nem sempre virá para somar. Virá, às vezes, para ensinar. Tudo uma questão de ritmo. Foi observando as ondas do mar que Virginia Woolf escreveu um de seus livros mais famosos, "As Ondas", onde seis personagens formam, na verdade, uma pessoa. Um estudo demonstrando que a unidade humana é constituida de várias personalidades. Para entender isso, basta seguir o ritmo subjetivo das ondas. Divirta-se.   

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Escrever para quê?

É impossível escrever. Você não vai ler, você se foi. No meio da frase quase escrita, paro e penso: não vai ler, você não está aqui. Bruscamente olho a página em branco e vejo que o branco está no vazio deixado por você. Você costumava estar aqui, eu ouvia você e você me lia, mas agora você se foi. Escrever para quê? Eu costumava rir de você e você parecia ser o lado alegre da vida, lado esse que me faltava. Com você, eu estava pleno de mim, completo com o que você me dava. Mas você se foi e o que sobrou não dá para escrever. Sem você para ler, não existe história comovente ou que valha a pena. Talvez tente ser seu biógrafo, mas isso só conseguirei se alguém puder me oferecer, novamente, alguma luz, porque nesta escuridão eu não enxergo, não dá para escrever. Até lá, sua biografia ficará comigo. Já a minha, não existe, porque não a escrevo mais. Não escrevo e nao falo. Sempre falei com palavras escritas e você sempre me disse palavras musicais. Éramos música e partitura. Mas você se foi e a palavra perdeu o sentido, deixou de ter forma e, consequentemente, não há meios de escrevê-la. De certo modo, isso é bom, pois escrever para nada é como exigir que um membro amputado cumpra com as suas obrigações. Deixei de escrever e nao terei testamento.  

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O professor sentimental

Orhan Pamuk. Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente em uma palestra em São Paulo. Foi uma hora de lições de literatura inesquecível. Professor de literatura na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Pamuk publicou, recentemente, o livro "O Romancista Ingênuo e o Sentimental", lançado aqui, no Brasil, pela Companhia das Letras. O livro é uma compilação de conferências ministradas por ele em Harvard. Na verdade, é uma conversa, onde o professor Pamuk ensina, brilhantemente, a arte de escrever um romance. Divide os autores de romances em dois grupos: o ingênuo, que escreve porque nasceu para escrever, sem pensar em formas ou técnicas, e o sentimental, que se preocupa (e muito) com o estilo, com a exposição das ideias, com a construção dos personagens e, sobretudo, com o "centro" que o romance terá. É nesse "centro", implicitamente ou explicitamente que estará o cerne de toda a história. Para Pamuk, o escritor ideal é aquele que tem um pouco de ingênuo e um pouco de sentimental. Segundo ele, devemos deixar a intuição emanar naturalmente de nossa escrita, mas a preocupação com o estilo e com a certeza das informações transmitidas deve ser considerada. É dessa maneira que os romances nos "fisgam" e nos emocionam. O leitor quer identificação com o que lê. Mesmo que a paisagem transmitida através do olhar do protagonista seja diferente da do leitor, o interesse despertado por uma boa história é possível, basta a ela conter elementos do dia a dia, como árvores, vento, objetos caseiros, casamentos, filhos e emoções mundanas. O leitor deve perceber o mundo em que o romance o inseriu. É mágico. Lendo um bom romance, passamos a acreditar na sua realidade, ao ponto de esquecermos, mesmo que por um curto período, a nossa. A história pode ser de dragões, de deuses marítimos, de mortos que andam, de objetos falantes, não importa. O que nos dará uma realidade quase palpável é um "centro" romanesco bem construído. O professor Pamuk faz isso de maneira singular. Ele faz com que nós, leitores, atravessemos aos poucos uma grande floresta, enxergando todas as árvores do caminho para que, lentamente, cheguemos ao "centro" de seus romances. É, talvez, a maneira mais linda dele nos apresentar a sua concepção da vida. Escrevendo para nós, leitores sortudos de poder receber suas lições. Eu tive a sorte de poder estar com ele, pessoalmente, por instantes. Agora, levo seus dizeres no coração...e na estante! Divirta-se!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Álvaro de Campos, o engenherio naval

O engenheiro Álvaro de Campos, o naval Álvaro de Campos. Desbravador dos mares, pois preferia a solidão das ondas do que a solidão de um impossível amor que nunca existiu e que lhe dava, por isto mesmo, a solidão almejada. Pagão, preferia acreditar na alma humana, pois era a única coisa que conseguia sentir que tinha: uma alma. Tão isolado, tão deprimido que tinha pena de si mesmo. Conheceu seu mestre Caeiro e deixou de ser uma máquina nervosa que não fazia nada. Começou a expressar-se em versos como quem começa a respirar, tudo por influência e inspiração oriundas de seu mestre Caeiro. Viva Caeiro, que resgatou de um mar sem fim, o engenheriro que era de pano. Deu-lhe um ar de vida e um homossexualismo assumido, que grita contra os deveres e a moral. Adorava tirar as plantas dos pés do chão usando ópio e cocaína. A Campos, Campos! Para sua Tabacaria e seus personagens de esquina você nunca será nada e não poderá querer ser coisa alguma que não seja todos os seus sonhos, sonhos do mundo todo. Navegue, vamos, continue! Sinta tudo de todas as maneiras, de todos os lados, seja a mesma coisa de todos os modos possíveis, mas seja!  Esqueça o supérfluo útil e navegue.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O Pilar de Saramago

Assisti, há pouco tempo (e tardiamente), ao documentãrio "José e Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes, que, entre 2006 e 2009, conseguiu registrar, de maneira singular,  a intimidade e a paixão do casal formado pelo escritor português e nobel de literatura José Saramago e sua mulher, a espanhola Pilar Del Rio. O documentário capta para sempre (ainda bem!) o dia a dia do casal, sua rotina doméstica, seus compromissos e, também, o seu amor. Um amor tardio que chegou depois do sucesso literário do português, que também demorou a acontecer. Tardio, mas não menor. Pilar foi o suporte para que Saramago nos desse de presente tantas obras maravilhosas (já citei Saramago aqui, no Vide letra, e sempre o citarei). Ela o secretariava e o acompanhava, com vigor, em seus tantos compromissos. E foi o seu melhor remédio, salvando-o quando convalescia internado, época em que quase faleceu no meio da produção daquela que seria a sua última obra, "A Viagem do Elefante". Graças a Pilar temos, para nosso deleite e na íntegra, seu derradeiro livro. Pilar, a dedicatória mais justa e sincera da obra de Saramago. Repetindo o mantra dito pelo  escritor no documentário: Pilar, Pilar, Pilar. Seu Pilar e sua melhor personagem de amor.