quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Ilustres companhias

Hoje acordei com a campainha gritando. E, em seguida, a voz que ordenava: levanta! vamos ao campo colher flores! Era, reconhecidamente, Ema Bovary, toda alegre e colorida, como uma manhâ de sol aconselha a ser. Abri a janela e, usando da razão, respondi: outro dia, hoje não. Ademais, seu marido me ligou, ontem, perguntando por você. Não estou a fim de confusão, Ema. E ela se foi sorridente, mesmo com a minha negativa em acompanhar-lhe. Essas mulheres! Tomei uma ducha e estava me servindo de uma xícara de café quando o telefone tocou. Era Raskólnikov, querendo saber se a velha, dona do apartamento que ele alugara, havia entrado em contato pedindo referências suas, haja vista que ele deu meu nome a ela. Disse que não, mas que se ela, porventura, entrasse em contato eu teria que ser sincero e dizer a verdade sobre ele, ou seja, que ele tinha umas ideias malucas sobre a classificação humana, onde uns valiam mais que os outros. Ele ficou irritado e desligou. Que manhã! Por fim consegui tomar o meu café e saí para a minha caminhada matinal. Na praça, encontrei meu amigo Bentinho em um estado lastimável, chorando. Fiquei preocupado, obviamente, e ele me contou que estava desconfiado de que sua esposa o havia traído com seu amigo Escobar. Deu tanta ênfase aos detalhes que passei a acreditar que a traição, realmente, havia acontecido. Como essas coisas sempre dividem as opiniões, tentei tranquilizá-lo. Quando ele se acalmou, decidi voltar para casa. Senti que o dia pedia um repouso caseiro. Em casa, quando eu estava preparando meu almoço, eis que outra visita me surpreende. Mas, agora, era a interferência mais ilustre de todas. Era meu amor. Veio com doce para a sobremesa e me abraçou. Fez-me companhia romântica e desligou a campainha e o telefone. E todas as histórias ficaram para depois.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Fantasia

Escolher a fantasia é um dilema. A fantasia que nos deixe pronto para enfrentar os dias e os compromissos. A armadura para nos proteger das pedras e dos carinhos. Mas nada que se apegue muito à pele para não nos esquecermos de quem, verdadeiramente, somos a cada dia. Somos muitos, com muitas fantasias. E o dilema é exatamente este: saber a fantasia do dia, saber quem somos naquele dia e saber que, amanhã, a fantasia será outra. Importante, também, é identificar a fantasia das pessoas, o que elas estão usando e saber compreender quando elas mudarem de fantasia. Maquilar o rosto com as cores corretas que nos representarão por algum tempo é sábio; substituí-las quando o momento exigir, é honrável. Mais nobre ainda é respeitar a troca de fantasias das pessoas, mesmo porque, estas pessoas também representam as nossas próprias fantasias, fazendo parte das cores que as formam. Vista a fantasia que lhe represente, que seja sua, constituída com a sua essência e com as pessoas e coisas que lhe pertençam. Respeite a mudança de roupagem de todos e resolva o dilema: nenhuma fantasia deve "grudar" na pele definitivamente e a melhor delas é aquela que, naquele momento, faça com que a vida seja plena.