terça-feira, 31 de julho de 2012

É muita coisa!

Somente depois de bocejar e tirar o peso da noite que ficou sobre o cobertor, escovar os dentes, sorrindo e espumando para o espelho, tomar uma xícara de café e comer as migalhas do pão diet que esfriou por conta do vento que entrou pela porta que já estava aberta convidando-me para sair e malhar na esteira da rua enquanto os spams derrubavam minha conexão que só se restabeleceu quando voltei e sentei, com dor nas costas, na cadeira que diariamente me prende nas bordas de meu notebook, e depois que as horas viajaram para algum lugar sem me avisar, fazendo com que meu estômago se encarregasse de dar o recado que elas estavam indo, e que, depois de tanto eu ouvir seus gritos e resolver enterrá-lo com arroz e feijão para poder, restabelecido, ir ao supermercado findar uma lista de necessidades mais que humanas e voltar para casa com sacolas de encher armários, botar o cachorro pra fora e responder às chamadas do celular que estava trancado no bolso da calça que rasguei na correria para atender ao chamado da campainha onde o vizinho fazia questão de devolver a colher de açúcar que ele havia tomado emprestado na páscoa passada quando os netos dele estavam por aqui em visita e acabaram quebrando a minha vidraça com a maldita bola que ele havia comprado de presente pelo bom comportamento deles, é que percebi que ainda não havia feito o mais importante do dia: desejar BOM DIA ao meu dia.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

No ônibus

- Olá, tudo bem?
Levantei a vista que estava mergulhada na leitura do Valter Hugo Mãe em meu colo e olhei para a dona da mão que cutucava meu joelho (tem gente que cutuca). Não reconheci a mulher que sorria, feliz por ter reencontrado um amigo. Como tenho, às vezes, uma certa dificuldade para me lembrar de pessoas e, mais ainda, de seus nomes, devolvi-lhe o cumprimento, educadamente.
- Ai, desculpe-me! Achei que você fosse um personal trainer que eu conheci.
- Sem problemas, respondi sorrindo, retornando à leitura e ao universo do Hugo Mãe.
- É que (novo cutuque, já parecendo mais íntimo), como você está usando esse agasalho da Adidas, acabei me confundindo.
- Como disse, sem problemas, mesmo! Acontece (só os profissionais de atividades físicas podem usar agasalhos de ginástica?). Tentei voltar à leitura.
- O que você está lendo? (Tentando ler, você quer dizer.)
- Um livro de um escritor angolano, Valter Hugo Mãe.
- Ahhh..não conheço. É bom?
Bom? Bom, nesse instante percebi que minha leitura estava, definitivamente, interrompida. Também percebi que a mulher não estava interessada em trocar conhecimentos literários, mas em me conhecer.
- Estou adorando, ainda não havia lido nada dele (mas vou continuar tentando lê-lo, mesmo que o mundo me interrompa).
- Ah! Eu li muito quando estava na faculdade, há uns cinco anos. Li filosofia e livros técnicos, sou formada em turismo, e você? (Sou bacharel em paciência.)
- Sou administrador de empresas e curso pós em língua portuguesa e literatura.
- Ah! Que legal. É casado? Quantos anos você tem?
Veja, não sou contra a novas amizades, nem a uma conversa simpática em um coletivo, mas o rumo do papo iniciado com um cutuque estava estranho. Que perguntas são essas? Era como se eu estivesse preenchendo um questionário de algum site de relacionamento.
- Solteiro, 47 anos, respondi, já adivinhando a próxima pergunta.
- Solteiro? Nunca pensou em se casar, ter filhos? Você namora? (Na verdade, sou um ex-presidiário, solto recentemente, que foi condenado por assassinar pessoas que não têm um pouco de noção do "me deixa".)
- Não, não, estou bem assim.
- Meu sonho é casar e passar a lua de mel na Dinamarca (lugar ideal, pois você se parece com um personagem das histórias de Andersen). Em que ponto você vai descer?
Medo! Pânico! O que fazer? Certamente ela iria descer junto comigo e querer me acompanhar. E eu não estava a fim de ser convidado para uma lua de mel na Dinamarca, nem que Valter Hugo Mãe me acompanhasse.
- Na verdade, meu ponto passou, veja você que distração a minha.
E desci correndo quando o ônibus parou, com um "até logo" surpreendente.
Após descer, fiquei pensando sobre a abordagem da mulher e sobre a minha atitude. Não sei se agi corretamente evitando me aprofundar na conversa. Agi como age um habitante de cidade grande, cheio de individualismo urbano. Eu poderia ter conseguido uma nova amizade ou uma companhia para o meu dia. Fiquei surpreso pelo papo que surgiu do nada, no caso com uma desconhecida, e pela minha indignação por causa das perguntas diretas e íntimas. Isso serviu como um escudo, impedindo a aproximação de alguém que, de repente, queria apenas conversar e fazer um novo amigo. Prometo que os próximos "olás" e "cutuques" serão tratados de maneira mais receptiva. Afinal, o Valter Hugo Mãe estará sempre à mão, servindo, inclusive, como ponte para novas amizades.