terça-feira, 28 de junho de 2011

Acima de todas as suspeitas

Você se lembra daquela professora de literatura, que pegava em seu pé e o obrigava a ler aquele romance chato chamado "Dom Casmurro" que, segundo ela, havia sido escrito em 1900 pelo maior escritor brasileiro? Em uma época em que você era adolescente e seus interesses maiores eram goma de mascar, bambolê e assistir os desenhos dos Jetsons na TV, e que ler um livro sem graça desses era um tédio mortal? Pois bem. Tanto a sua professora quanto você estavam corretos. Sem generalizar, mas dificilmente um adolescente interessa-se por uma obra desse tipo. Mas que sua professorinha estava certa, ah! ela estava! Eu reli (e pretendo reler em breve) este espetáculo que é "Dom Casmurro" e garanto: nenhum escritor conseguiu, ainda, construir um texto como Machado conseguiu com esta obra. Bentinho (Dom Casmurro, nosso herói) nos relata em memórias que, às vezes, são falhas, sua vida e o que deu a ela tanto fascínio e amargor: sua paixão por Capitu. Viveram um amor invejável desde crianças. O futuro guardou uma suspeita sinistra: que o filho deles seria, na verdade, de seu melhor amigo, por causa de uma suposta traição de Capitu, traição esta que é debatida entre os estudiosos da obra de Machado até hoje. Existiu traição ou tudo não passa de um ciúme exarcebado e doentio por parte de um Casmurro obsessivo? Quando li novamente este livro, duas coisas aconteceram. Primeira: elegi-o como um dos melhores livros existentes, universalmente falando. A prosa de Machado é soberba, lírica, inebriante. Segunda: a dúvida sobre Capitu, em ser ela uma adúltera ou não, aumentou. O livro é tão mágico que quando eu lê-lo de novo, tenho certeza de que não chegarei a conclusão alguma sobre esta questão. E é isso que faz de nosso Machado, sem suspeita alguma, o melhor dos escritores em língua portuguesa. Dê créditos a sua professorinha de antigamente e conheça um dos melhores nomes da literatura mundial. Divirta-se!

domingo, 19 de junho de 2011

As meninas dos olhos do Brasil

Em 1973, Lygia, em minha opinião, escreveu o seu melhor livro. "As Meninas", Cia das Letras (com a linda capa de Beatriz Milhazes que, aliás, estampa todos os livros da autora que a editora vem re-lançando) mostra o Brasil dos anos 1970, com a ditadura arrebatando da vida das pessoas (principalmente dos jovens) todos os sonhos e possibilidades de expressão. Corajosamente, Lygia denuncia, através das três protagonistas (Lia, Lorena e Ana Clara) um sistema controlador e de opressão. Nossas meninas são de mundos diferentes, que se conhecem em um pensionato, tornando-se amigas e cúmplices. Lutam por ideais que acreditam ser legítimos e de direito. Pelos olhos e graças dessas três personagens, a narração flutua quase que sem ação. Com a memória e a realidade das meninas, é construído um panorama de angústia e de desejo de felicidade. A má sorte do povo brasileiro, oriunda da mordaça imposta pela ditadura após o golpe militar de 1964, está no romance de Lygia, que aponta o dedo para o sistema político vigente com coragem, em uma época onde tudo era proibido.  Houve mortes, torturas e sequestros. Houve tráfico de drogas e falta de estrutura educacional. Mas houve, também, quem levantou a voz contra tudo isso e, com lirismo e disposição, transformou, com uma denúncia corajosa, essas atrocidades em arte. Lygia fez isto. É um livro mágico, lindo! Paulistana e vivendo a ditadura em São Paulo, extraiu de sua própria pele as palavras de suas corajosas meninas. O Vide Letra recomenda : apaixone-se pelas meninas. Divirta-se!

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Viva Fernando Pessoa!

Ah, Fernando! Meus parabéns pelo seu aniversário! São 123 anos de vida dedicados a ser vários apenas para preencher o vazio de nós, pobres mortais, que nem sabemos ser um. Com sua bondade de trazer à terra o que existe entre os deuses, você enche nossa miséria de alegria e nos torna mais do que sentimentais. Você nos eleva, nos evapora e nos tira a idéia de desviver que carregamos como imposição de um Deus que, parece, nos esqueceu. Obrigado por dar-nos a alegria de saber que as histórias não precisam ter fim. Obrigado por mostrar-nos que só se morre quando não se sonha o bastante. Oxalá sua vida seja cada vez mais eterna, mais viva que a vida que você sempre achou vazia e sem propósito. Sei que você nunca se considerou ser você mesmo e nem o outro. Também sei que você acredita que sua existência é ser o intermédio que vai de você para os outros. Mas desde os tempos em que você era o menino de sua mãe até hoje, todos os outros que você supõe não ter sido, fizeram de nós pessoas mais atentas as belezas da vida. Este seu retrato, o último que conseguimos tirar aos seus 47 anos, coloca-o em um lugar de respeito perante todos. Basta repararmos em seus doces e cansados olhos. Curvo-me diante da luz que irradia de sua presença para agradecer-lhe: obrigado por fazer-me melhor, por dar-me visão e tirar-me da futilidade. Que esse Deus, que tanto lhe encheu de questões, conserve-o para sempre em nosso corações e mentes. PARABÉNS.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Grandes novos escritores, para nossa sorte!

Sou um garimpeiro de novos livros e novos escritores. Um dos meus passeios prediletos e ir a uma livraria, jogar-me sem pressa nas gôndolas e prateleiras e folhear tudo o que vejo e que ainda não conheço, como novos títulos e, principalmente, novos autores. E, quase sempre, acho algum autor que me surpreende pela sua assinatura literária. Nesta linha, o Vide Letra quer apresentar (se você ainda não conhece) a  Revista Granta, que a editora Objetiva/Alfaguara vem lançando aqui no Brasil desde 2007 (finalmente, graça à Deus!). A Revista Granta surgiu em 1889, fundada por alunos da Universidade de Cambridge, na Inglaterra e leva este nome em homengem ao rio que banha  a cidade. A princípio, ela serviria para publicações de periódicos de política universitária e textos inéditos de alunos. A participação foi tão acentuada e tão valorosa em termos de qualidade que nela participaram nomes como Sylvia Plat, Mario Vargas Llosa, Gabriel García Marqués, Primo Levi entre outros. Mas a revista não serviu apenas para mostrar textos inéditos destes autores consagrados. Ela serviu, também, para lançar nomes como (segura!): Ian McEwan, Salman Rushdie, Hanif Kureishi (que eu adoro!) entre outros. Sentiu o peso? A foto deste post é a capa da edição brasileira no. 1, que tem como tema "os Melhores Jovens Escritores Norte-americanos". Cada edição traz um tema como ambição, família, sexo, viagem, etc. No Brasil, estamos na de no. 6 e, pelo que vejo, não irá parar por aí (sorte nossa). Vale dizer que, além de textos, a Revista Granta traz fotos, capítulos inéditos de livros a serem lançados, depoimentos, poesia e outras delícias. Se você gosta de novidade com qualidade, não perca tempo: você ainda pode encontrar todas as edições da revista para adquirir. Deixe a Granta lhe dar momentos únicos de boa companhia com as novas cabeças que farão a cultura mundial valer cada vez mais. Divirta-se!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O sonho e a realidade de Mia Couto

Em meu aniversário deste ano, uma amiga querida deu-me de presente, até então inédito em minha vida, o primeiro livro de Mia Couto, "Terra Sonâmbula" (Cia das Letras). Ela conectou-me com este escritor de Moçambique para, de vez, ele ficar em mim. Dono de palavreados especiais e puros como o povo africano, Mia Couto nos transporta, através dos ditos e dos pensamentos de dois meninos protagonistas, a uma realidade de sobrevivência fugitiva. Como um soluço prestes a sair em choros, a África tomada pela guerra colonial e civil aparece-nos cheia de morte e desesperança. Mas é de esperança, luta e vontade de viver que este povo (e não apenas na ficção espetacular de Mia Couto, pois, apesar desta história ser fictícia, ela espelha com veracidade a rotina de nossos irmãos africanos) nos emociona. A guerra matou tudo, absolutamente tudo. O que nos sobra são os sonhos. Eles que movem a estrada da vida (que, no caso africano, encontra-se morta). E com estes sonhos os meninos embalam suas rotinas de fome, medo e perseguição. Lutam em busca de um canto de sossego. Num mundo onde as crianças são estorvos, pois impedem a fuga quando o inimigo chega (seja ele seu colonizador ou seu conterrâneo), eles tentam, com uma humildade irreconhecíveis nos humanos, estar juntos de suas bases familiares para preservar o amor. Eu não sabia que este livro havia virado filme, uma co-produção portuguesa, alemã e moçambicana, de realização de Teresa Prata, em 2007, inclusive conquistando prêmios de cinema na Índia. Fui atrás e descobri, também, que o filme não existe no Brasil (triste!). O vídeo deste filme você pode assistir neste post (se alguém descobrir onde podemos ver o filme, por favor, avise-me, okay?). De qualquer maneira, o Vide Letra recomenda fortemente a leitura deste livro. Posso garantr que pouquíssimas vezes senti-me tão tocado por uma prosa que, neste caso, pode ser comparada a uma reunião de contos, haja vista que, antes deste livro, Mia Couto apenas escrevia contos (talvez uma comparação bem superficial com nosso Guimarâes Rosa, também dono de uma assinatura única em matéria de linguagem). Como disse Platão, mencionado na abertura do livro, "há três espécies de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar". Sonhe junto com Mia Couto e ande no mar. Divirta-se!

domingo, 5 de junho de 2011

O animal em nós

Lembrei-me, hoje, de uma obra da literatura que li há, pelo menos, 20 anos. Lendo a revista "Bravo" de junho/11, no. 166, da editora Abril (está nas bancas), uma das matérias remeteu-me ao livro de Geroge Orwell, "A Revolução dos Bichos". A mátéria da Bravo é referente ao trabalho da artista norte-americana Miru Kim, filha de filósofo sul-coreano, e apresenta em algumas páginas fotos de autoria da artista, que tem como sensação primeira para seus trabalhos, a pele humana. Em uma colocação própria (e sensacional, na minha opinião) ela diz que "é graças a pele que o mundo externo se comunica com o nosso interior". Por isso, em suas fotos ela aparece inteiramente nua (vale conferir, muito legal!). Uma das fotos da artista apresentada pela revista Bravo mostra vários porcos em um abatedouro nos Estados Unidos esperando o abate. A foto é impactante. Ao mesmo tempo que repele por ser crua, triste e real demais para não nos sensibilizarmos com a cena, ela atrai nossa atenção e faz com que procuremos os detalhes do trabalho entre os corpos dos infelizes porcos. Miru descobriu em aulas de anatomia que a fisiologia humana se assemelha à dos porcos e diz que "corpos de animais e humanos podem se juntar momentaneamente pelo contato das peles". Hoje, ela defende, à sua maneira, através de seu trabalho, o mal trato e o descaso aos animais. Em uma analogia bem simplória com o trabalho de Miru, no livro os animais se revoltam contra as leis humanas vigentes e, sob o comando de um porco (o Bola de Neve), que almeja "governar" uma granja e ir contra  a exploração dos homens, teriam sua vingança concretizada. Óbvio que o livro de Orwell é político, mostra-nos a divisão de classes sociais e satiriza a revolução russa stanilista onde todos seriam iguais em valores e condições, uma impossibilidade que está, inclusive, entre as personagens animais. O livro foi publicado em 1945, ao final da segunda guerra e, hoje, não tem o mesmo impacto que na época de seu lançamento, mas ainda é muito próximo de nossa realidade se o analisarmos sob uma ótica onde existam desigualdade de direitos, corrupção e sede de poder. Mas o que eu adoro neste livro, lendo-o em uma perspectiva de fábula de esopo, é a liberdade que os animais pleiteiam para viver sem os comandos escravistas dos humanos. Há muito as denúncias de mal tratos contra animias vêm se multiplicando. Cães mortos de maneira cruel na China para alimentação humana, galinhas que vivem em espaços minúsculos apenas para procuzirem ovos (sabia que elas tem o bico cortado para não machucarem umas as outras?), porcos sendo tratados sem sentimentos, pois serão mortos, etc, são mostrados via internet cada vez mais. É a eterna questão: existe maneira de continuarmos comendo carne sem que os animais sofram, sem que eles tenham direito a um abate sem dor ou trauma? Sei que pode soar demagogo, pois eu como carne, mas que dá uma vontade de mudar de hábitos alimentares, isso dá. Imagine o livro de Orwell real por um dia: já pensou, um porco pegando seu filho, na sua frente, e abatendo-o para um churrasco? E seu filho sendo escolhido para o abate por ser novinho e ter a carne mais macia? Bom churrasco, divirta-se!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A pornografia do anjo

Autor de 17 peças de teatro, nove romances (se bem que, apenas um levou seu nome - O Casamento - os outros foram assinados por pseudônimos femininos) e inúmeros contos e crônicas, Nelson está longe de ter esgotado nosso interesse por sua obra. Ele dizia: "Não reparem que misturo o tratamento de tu e você, pois não acredito em brasileiro sem erro de concordância". Em uma época em que se propõe que a norma culta seja considerada como não essencial aos alunos, na escola, é de se tomar cuidado com tal declaração. Mas também deve-se prestar atenção na realidade que Nelson aponta. É exatamente por não estudar que o brasileiro erra na gramática. Se ele, enquanto arte, escrevia sem a concordância nominal correta, era justamente com o intuito de crítica e proximidade com o real do universo de suas personagens. Outro apontamento dele, seguindo essa criticidade, era que "o Brasil é um país onde não há negros, pois nem o negro, aqui, admite ou quer ser negro". Você pode ter acesso a genialidade deste dramaturgo/escritor com vontade, pois a editora Agir, desde agosto de 2006, vem relançando toda a sua obra. Contos de "A Vida Como Ela è..." ou mesmo suas crônicas de "O Óbvio Ululante" ou seus folhetins como "Meu Destino é Pecar", além de ótimos passatempos garantidos, são cheios do universo rodrigueano que, com certeza, permite-nos avaliar sua obra. Mas o Vide Letra que recomendar, para quem conhece ou não a obra de Nelson, o livro "O Anjo Pornográfico" de Ruy Casrto, editora Cia das Letras. Biografia de Nelson, com narrativa fácil e prazerosa, haja vista que os capítulos têm uma sequência estimulante. Lá, está toda a sua formação, trabalhos, familiares, amores e obra. Para introduzir Nelson e deixá-lo com água na boca, aí vai:  "Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico". Divirta-se!