quinta-feira, 12 de julho de 2012

No ônibus

- Olá, tudo bem?
Levantei a vista que estava mergulhada na leitura do Valter Hugo Mãe em meu colo e olhei para a dona da mão que cutucava meu joelho (tem gente que cutuca). Não reconheci a mulher que sorria, feliz por ter reencontrado um amigo. Como tenho, às vezes, uma certa dificuldade para me lembrar de pessoas e, mais ainda, de seus nomes, devolvi-lhe o cumprimento, educadamente.
- Ai, desculpe-me! Achei que você fosse um personal trainer que eu conheci.
- Sem problemas, respondi sorrindo, retornando à leitura e ao universo do Hugo Mãe.
- É que (novo cutuque, já parecendo mais íntimo), como você está usando esse agasalho da Adidas, acabei me confundindo.
- Como disse, sem problemas, mesmo! Acontece (só os profissionais de atividades físicas podem usar agasalhos de ginástica?). Tentei voltar à leitura.
- O que você está lendo? (Tentando ler, você quer dizer.)
- Um livro de um escritor angolano, Valter Hugo Mãe.
- Ahhh..não conheço. É bom?
Bom? Bom, nesse instante percebi que minha leitura estava, definitivamente, interrompida. Também percebi que a mulher não estava interessada em trocar conhecimentos literários, mas em me conhecer.
- Estou adorando, ainda não havia lido nada dele (mas vou continuar tentando lê-lo, mesmo que o mundo me interrompa).
- Ah! Eu li muito quando estava na faculdade, há uns cinco anos. Li filosofia e livros técnicos, sou formada em turismo, e você? (Sou bacharel em paciência.)
- Sou administrador de empresas e curso pós em língua portuguesa e literatura.
- Ah! Que legal. É casado? Quantos anos você tem?
Veja, não sou contra a novas amizades, nem a uma conversa simpática em um coletivo, mas o rumo do papo iniciado com um cutuque estava estranho. Que perguntas são essas? Era como se eu estivesse preenchendo um questionário de algum site de relacionamento.
- Solteiro, 47 anos, respondi, já adivinhando a próxima pergunta.
- Solteiro? Nunca pensou em se casar, ter filhos? Você namora? (Na verdade, sou um ex-presidiário, solto recentemente, que foi condenado por assassinar pessoas que não têm um pouco de noção do "me deixa".)
- Não, não, estou bem assim.
- Meu sonho é casar e passar a lua de mel na Dinamarca (lugar ideal, pois você se parece com um personagem das histórias de Andersen). Em que ponto você vai descer?
Medo! Pânico! O que fazer? Certamente ela iria descer junto comigo e querer me acompanhar. E eu não estava a fim de ser convidado para uma lua de mel na Dinamarca, nem que Valter Hugo Mãe me acompanhasse.
- Na verdade, meu ponto passou, veja você que distração a minha.
E desci correndo quando o ônibus parou, com um "até logo" surpreendente.
Após descer, fiquei pensando sobre a abordagem da mulher e sobre a minha atitude. Não sei se agi corretamente evitando me aprofundar na conversa. Agi como age um habitante de cidade grande, cheio de individualismo urbano. Eu poderia ter conseguido uma nova amizade ou uma companhia para o meu dia. Fiquei surpreso pelo papo que surgiu do nada, no caso com uma desconhecida, e pela minha indignação por causa das perguntas diretas e íntimas. Isso serviu como um escudo, impedindo a aproximação de alguém que, de repente, queria apenas conversar e fazer um novo amigo. Prometo que os próximos "olás" e "cutuques" serão tratados de maneira mais receptiva. Afinal, o Valter Hugo Mãe estará sempre à mão, servindo, inclusive, como ponte para novas amizades.

3 comentários:

  1. kkkkkk... Adorei a sua verve para contar uma boa estória. Mas, não se iluda... Mulheres não abordam homens sem intenções (ou segundas intenções), ainda mais um homem lindo como você...
    Bjusss

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  2. Lágrimas de Areia

    Lá estava ela, triste e taciturna.
    Testemunha de efêmeros conflitos,
    Com um olhar perdido no tempo,
    Não exigia nada em troca
    A não ser um pouco de atenção.

    Sentia-se solitária, oca,
    Os homens admiravam-na pelos seus dotes.
    As crianças, em sua eterna plenitude,
    Admiravam-na muito mais além...
    ... Mais humana!

    De sua profunda melancolia
    Lágrimas surgiram.
    Elas não umedeceram o seu rosto,
    Mas secaram o seu coração,
    O poço da alma,
    Aumentando cada vez mais
    A sua sede.

    Lá ela permaneceu; estática, paralisada!
    Esperando que o vento do norte a levasse
    Para bem longe dali!

    O dia começou a desfalecer.
    Seu coração, outrora seco e vazio,
    Agora pulsava em desenfreada arritmia.
    Desespero!
    A maré estava subindo...

    Em breve voltaria a ser o que era:
    Um simples grão de areia.
    Quiçá um dia levado pelo vento,
    Quiçá um dia... Em um porto seguro.


    Do livro (O Anjo e a Tempestade) de Agamenon Troyan

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